Coletivo dá entrada em Representação no Ministério Público

No dia 23 de janeiro último ao COCIAM deu entrada numa Representação no Ministério Publico de pedindo uma Ação Civil Pública para a correção de várias irregularidades cometidas pela atual administração da Prefeitura de Campinas, nas suas políticas de transporte público.

Segue a íntegra da Representação.

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) PROMOTOR (A) DE JUSTIÇA CÍVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM CAMPINAS-SP.

O COLETIVO DE CICLISTAS DE CAMPINAS – COCICAM, movimento cívico que reúne ciclistas e cicloativistas defensores da mobilidade ativa em Campinas-SP, neste ato representado pelos integrantes “…..”,  vêm, com fundamento no Art. 129, II e III da CF, Lei Federal 9.503/97, Lei Federal 12.587/12, Lei Complementar Municipal Nº 35/12, Lei Municipal 13.288/08, Lei Municipal Nº 8.648/95 apresentar

REPRESENTAÇÃO

Visando correção de diversas irregularidades na política de mobilidade urbana do MUNICÍPIO DE CAMPINAS, especialmente no que diz respeito à circulação de ciclistas, no respeito às Leis Municipais, possivelmente violadas e na defesa da segurança das pessoas, uma garantia fundamental, assegurada constitucionalmente.

BREVE INTRODUÇÃO

Os Denunciantes são integrantes do Movimento Cívico denominado, atualmente, como Coletivo de Ciclistas de Campinas – COCICAM (antes denominado Comissão Cicloativista de Campinas), indicados como interlocutores do movimento, neste ato, junto ao Ministério Público, uma vez que o Coletivo não possui sede nem estrutura administrativa (www.cocicam.com.br).

O Movimento foi criado no final de 2015, após presenciarmos nesta cidade graves violações aos direitos dos ciclistas, já assegurados em Lei, como a falta de ciclovia no prolongamento da Avenida Piçarrão, na restauração da Avenida Francisco Glicério e no BRT-Campinas. Naquele período, a COCICAM reunia grupos organizados de ciclistas e membros do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes, sendo que, atualmente, o Movimento se expandiu com a participação de simpatizantes e ciclistas “independentes”, motivo pelo qual passou a adotar o nome atual.

Neste dia 23 de Janeiro, relembramos indignados os compromissos assumidos pelo atual Prefeito, Sr. Jonas Donizette, ainda no seu primeiro mandato, quando pedalou com os ciclistas, em 23 de janeiro de 2013[1], e renovou seu compromisso de implementar o Plano Cicloviário Municipal, com a construção de mais de 100 KM de ciclovias até o ano de 2016. Como se sabe, até final de 2017, foram construídos apenas 9 km de ciclovias, sendo que todas elas em áreas nobres da cidade, ignorando a demanda maior em regiões periféricas, como o Distrito de Nova Aparecida, Campo Grande, Ouro Verde e a região do Campo Belo, onde a bicicleta é um instrumento de mobilidade urbana fundamental para as famílias.

Apesar da importância do tema e da ameaça à vida quando se fala em riscos da mobilidade urbana, o Prefeito, não só deixou de cumprir o compromisso assumido, como vem promovendo diversos ataques aos direitos dos ciclistas, inviabilizando a adoção e integração da mobilidade ativa para os futuros mandatários e para as próximas gerações de ciclistas de Campinas.

Com efeito, as obras nas vias da cidade, que envolvem mobilidade urbana, estão sendo realizadas sem a observância da legislação municipal, no que diz respeito à circulação de ciclistas, demonstrando que se trata de uma opção meramente política do atual Governo.

O novo corredor perimetral, criado a partir do leito do VLT, é uma nova avenida na cidade, que deveria prever a passagem de ciclistas, nos termos da Lei 13.288/08. As novas pontes e viadutos, construídos na cidade, também foram pensados, exclusivamente, para os automóveis, forçando o ciclista a usar a passagem de pedestres para atravessar a via. Não há sequer indícios de treinamentos aos motoristas do transporte público coletivo, tornando comum a disputa de espaços e desrespeito às próprias normas de trânsito no dia-a-dia. Também não se vê nenhuma placa ou sinalização de solo alertando e orientando os motoristas sobre a presença de ciclistas em Avenidas da cidade, numa clara demonstração de que a ciclomobilidade está sendo inibida pelo Governo Municipal.

 

VIOLAÇÃO DAS LEIS MUNICIPAIS – CICLOVIA EM NOVAS VIAS PÚBLICAS, PONTES, TÚNEIS E VIADUTOS

Além de não se esforçar para destinar espaços para a circulação de bicicletas no Município, o Governo Municipal vem, reiteradamente, descumprindo as leis que tratam da mobilidade urbana na cidade. A Lei Municipal Nº 8.648/95 prevê em seu Art. 5º que “todos os projetos das novas avenidas a serem abertas no município de Campinas, a partir da publicação desta lei, deverão prever a existência exclusivas para ciclovias”. Não bastasse isso, o Governo ignora também a Lei Municipal Nº 13.288/08, que instituiu o Sistema Cicloviário Municipal.

Consoante o artigo 11 desta referida Lei, as novas vias públicas devem prever a circulação de bicicletas, sem afetar a circulação de pedestres. Nestes termos:

Lei 13.288/08 – Art. 11: As novas vias públicas, incluindo pontes, viadutos e túneis, devem prever espaços destinados ao acesso e circulação de bicicletas, em conformidade com os estudos de viabilidade, sem causar prejuízo na circulação de pedestres, quando esta for prevista.

Portanto, a legislação municipal obriga o Governo local a destinar espaço específico de acesso e circulação de bicicletas nas novas vias abertas no Município, desde que não cause prejuízo à circulação de pedestres.

Há relativa divergência interpretativa acerca da revitalização da AVENIDA FRANCISCO GLICÉRIO no Centro de Campinas, uma vez que se trata de uma via já existente, apesar de que não se pode considerar razoável que uma importante avenida seja revitalizada em pleno século XXI e não seja contemplada com uma ciclovia. Ademais, as explicações do Governo para a ausência da ciclovia prevista inicialmente no projeto não convencem ninguém. Tanto que a suposta falta de espaço não foi impedimento para colocar vasos gigantes de plantas na calçada do pedestre, na tentativa de correção do projeto que, simplesmente, “esqueceu” de prever a arborização da Avenida. Logo, a falta de espaço não é um argumento verdadeiro. Parece mesmo que falta é capacidade técnica para projetar e modernizar a cidade.

A AVENIDA MARGINAL DO CÓRREGO PIÇARRÃO não tem qualquer divergência. O prolongamento da Avenida, denominada Magalhães Teixeira, foi construído na atual gestão sob a vigência da Lei 13.288/08 e não contemplou a passagem de ciclistas, prevista no citado artigo 11. Em entrevista à Rádio CBN em 15/12/2015, o Prefeito Sr. Jonas Donizette, explicou que não foram construídas ciclovias na Avenida porque não há espaço no canteiro central, sendo esta uma condição prioritária do atual Governo. Ora, a explicação do Prefeito mostra desconhecimento geométrico da via marginal do Piçarrão, que contém espaço suficiente no canteiro, além de evidenciar um inadmissível “desconhecimento” da Lei, que não estipulou qualquer ressalva deste tipo para a não construção de ciclovia em novas vias. Ademais, a via é totalmente plana, sendo perfeitamente recomendada à circulação de bicicletas e pedestres.

Pior situação atinge o CORREDOR PERIMETRAL do projeto do BRT-Campinas. Trata-se de uma via construída a partir do leito do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), tragicamente abandonado na década de 90. Portanto, é uma nova via sendo aberta na cidade, em perfeita consonância com a previsão legal da Lei Municipal Nº 8.648/95 e Lei Municipal Nº 13.288/08, devendo contemplar a circulação de bicicletas. Note-se, ainda, que há espaço sobrando no leito, que possui cerca de 50 (cinqüenta) metros de largura, tendo a faixa de rolamento ocupado apenas 9 (nove) metros do leito. Além disso, a via é quase que inteiramente plana, o que a torna perfeita para a ciclomobilidade, apesar de ser sinuosa.

A via do Corredor Perimetral é uma rota situada entre o corredor da Avenida Amoreiras e o Corredor da Avenida John Boyd Dunlop, servindo, portanto para atender ambas as regiões, Campo Grande e Ouro Verde, ligando a região intermediária do bairro Campos Elíseos ao Centro de Campinas. A figura[2] abaixo mostra um trecho do traçado do VLT em azul ligando o bairro Cidade Jardim até o Botafogo, na região central.

Linha VLT

Este trecho, especificamente, poderia comportar uma ciclovia que seria utilizada por ciclistas dos Distritos do Campo Grande e do Ouro Verde, uma vez que evitariam o risco da Avenida das Amoreiras e da John Boyd Dunlop. Apesar de não ser o caminho mais curto, o leito do VLT possui pequeno aclive, sendo verificada a inclinação de apenas 1% no trajeto de 5Km, ou seja, o terreno variou apenas 61 metros em todo o trajeto, confirmando o potencial cicloviário em termos topográficos. Vejamos os dados na figura abaixo:

VLT

Não obstante, todo o projeto do BRT está sendo implementado com parâmetros de mobilidade da década de 70, causando constrangimento até mesmo nos idealizadores deste modal. Afinal, como pode uma obra de mobilidade urbana desta envergadura ser implementada em 2017, numa cidade desta importância, e não contemplar a construção de ciclovias? A única resposta possível para esta pergunta se interliga à intenção duvidosa dos gestores municipais e, como se sabe, vontade política deve se adequar às Leis.

Com razão, o Corredor BRT da Avenida John Boyd Dunlop padece de ilegalidade ainda maior. Não bastasse a violação dos princípios da mobilidade urbana, das garantias constitucionais da segurança e à Lei Municipal do Sistema Cicloviário, a eliminação da ciclovia do Corredor da Avenida John Boyd Dunlop viola, frontalmente, a Lei Complementar Nº 35/12, que traçou diretrizes viárias para a Macrozona 05. Vejamos o conteúdo da referida norma:

LC 35/12 – Art. 19: São diretrizes específicas do Sistema de Transportes:

I – implantar corredor de ônibus na Avenida John Boyd Dunlop com faixas exclusivas e/ou preferenciais, com operação veicular realizada nas faixas da esquerda e/ou direita, conforme indicarem os estudos, prevendo também uma ciclovia;

VII – implantar sistema cicloviário articulado com os principais eixos de transporte.

Note-se que a Lei que aprovou o Plano Regional Estratégico da Macrozona 05 é uma Lei Complementar, cujo conteúdo traça diretrizes estruturantes da região a que se refere, sendo que a Lei da Macrozona 05 foi aprovada recentemente, em 2012 e, apesar da plena vigência, vem sendo desrespeitada pelo Governo Municipal. Ademais, o próprio Sistema Cicloviário, instituído pela Lei 13.288/08 estabeleceu que sua implementação deveria se adequar às propostas dos Planos Regionais Estratégicos, conforme estatuído em seu artigo 4º, aqui transcrito:

Lei 13.288/08 – Art. 4º: Caberá ao Executivo, por meio dos órgãos competentes, consolidar o programa de implantação do Sistema Cicloviário do Município de Campinas, considerando as propostas contidas nos Planos Regionais Estratégicos.

Apesar dos discursos contraditórios do Governo Municipal, a Legislação e os princípios da mobilidade urbana estabelecem a bicicleta como modal autônomo de transporte cotidiano e não complementar de outros modais. A sua integração é medida de aperfeiçoamento e ampliação do uso da bicicleta, não uma medida restritiva e dependente, como vem alardeando o Secretário Municipal de Trânsito. Neste sentido, a própria Lei que instituiu o sistema Cicloviário estabelece esta vocação autônoma para o ciclomodal:

Lei 13.288/08 – Art. 1º: Fica criado o Sistema Cicloviário do Município de Campinas, como incentivo ao uso de bicicletas para o transporte na cidade de Campinas, contribuindo para o desenvolvimento da mobilidade sustentável.

Parágrafo único – O transporte por bicicletas deve ser incentivado em áreas apropriadas e abordado como modo de transporte para as atividades do cotidiano, devendo ser considerado modal efetivo na mobilidade da população.

Portanto, não há justificativa válida para tamanha arbitrariedade, senão, a vontade política equivocada e, flagrantemente, contrária à Lei Municipal e aos princípios da mobilidade urbana. Além disso, a obra do BRT foi financiada pelo PAC Mobilidade com a condição de que fossem implementadas as ciclovias, em atenção à Política Nacional de Mobilidade Urbana. O Secretário de trânsito alega que nunca houve tal previsão, mas, até hoje o painel com o escopo do projeto está afixado na sala de visitas da Emdec, prevendo a construção de 17 Km de Ciclovias no corredor do Campo Grande, como mostra a foto divulgada pelos membros do Conselho de Trânsito:E as irregularidades não se limitam às vias públicas. Até na construção de novas pontes e viadutos o Governo Municipal ignorou completamente os mandamentos da Lei 13.288/08, como podemos constatar nas obras recentemente construídas. A ausência de espaço para a circulação de bicicletas pôde ser constatado na PONTE SOBRE A RODOVIA ANHANGUERA ligando o bairro Jardim Garcia ao Pacaembu, sendo esta uma rota alternativa à Avenida John Boyd Dunlop para ciclistas. Além das faixas de rolamento para automóveis, a ponte construída em 2010, possui apenas um corredor lateral estreito para pedestres, o que certamente não comporta passagem de bicicleta, além de prejudicar a circulação dos pedestres.

Também pudemos observar a ausência de espaço para a circulação de bicicletas na PONTE[3] CONSTRUÍDA SOBRE O CÓRREGO SERAFIM, NA AVENIDA OROSIMBO MAIA, no ano de 2015. A passagem lateral é estreita e coincide com a faixa de pedestres, impedindo o compartilhamento seguro com as bicicletas. Tal obra foi construída sob a vigência da Lei 13.288/08 e ignorou completamente o conteúdo do artigo 11 que obriga a reserva de espaço para circulação de bicicletas.

Recentemente, foi concluída a construção de outra PONTE SOBRE A RODOVIA ANHANGUERA, ligando a Avenida Royal Palm Plaza ao bairro Nova Europa, que reservou espaços laterais mais amplos, mas, não é possível assegurar que o espaço para a circulação de bicicletas foi reservado de modo seguro e segregado da passagem dos pedestres, como exige a referida Lei. A ponte ainda não foi liberada para o tráfego nem sinalizada, motivo pelo qual será apresentado um pedido de informações ao órgão público competente sobre este assunto.

Também a PONTE DA LINHA FÉRREA, sobre a Avenida John Boyd Dunlop, no Jardim Florence, foi construía sem reservar espaço para a circulação de bicicletas. A ponte possui calçadas laterais extremamente estreitas que dificultam a circulação até mesmo de pedestres. Agora terão de concorrer com a passagem de ciclistas uma vez que não foi prevista a circulação de bicicletas paralelas aos automóveis, violando a legislação municipal. Importante destacar que a referida ponte possui colunas muito próximas que poderiam ser evitadas se o projeto tivesse sido mais bem planejado. Outras pontes do Município tiveram o vão livre muito mais amplo facilitando a circulação de ciclistas e pedestres, mas, neste caso, parece que o objetivo foi realmente inviabilizar a ciclomobilidade naquela região do Distrito do Campo Grande.

Outra situação ainda mais irregular envolve o VIADUTO SOBRE A AVENIDA JOHN BOYD DUNLOP, no Shopping Parque das Bandeiras. Trata-se de uma obra completamente irregular feita às pressas para beneficiar politicamente o atual Prefeito, que solicitou formalmente a antecipação da obra no ano eleitoral, alterando de forma ilegítima o TAC assinado pelo empreendimento.

Como a Lei da Macrozona 05 (LC 35/12, Art. 19) obriga a construção de Ciclovia na Avenida John Boyd Dunlop, o TAC firmado pelo Shopping Parque das Bandeiras em 2012 (documento anexo) já previa a reserva do espaço e construção da ciclovia paralela à Avenida no trecho que passa em frente ao Shopping, para que futuramente a ciclovia se integrasse na construção que seria promovida pelo poder público ao longo de toda a via. Vejamos o conteúdo do TAC firmado em 2012:

TAC SHOPPING PARQUE DAS BANDEIRAS
2.6. FASE 6 – Obras e intervenções previstas conforme planta do Anexo VI:

2.6.3. Execução da Ciclovia no trecho entre a Rua Projetada 1 e a alça de desaceleração da Via Marginal Direita para acesso à Portaria-2 do Shopping Parque das Bandeiras;

Todavia, o TAC foi alterado em janeiro de 2016 (documento anexo), visando notadamente a antecipação da construção do viaduto, favorecendo indiretamente o atual Prefeito no período que antecede a eleição municipal. Tanto que na cláusula 2.1 do TAC a conclusão da obra foi antecipada para o dia 30/07/2016, obrigando o empreendimento a terminar o viaduto no período de campanha eleitoral. Além disso, o TAC foi firmado com justificativa inválida, uma vez que o item 2.4.4 não foi cumprido integralmente, sendo que o TAC previa a remoção de treze habitações na Rua Hermano Penteado, mas, somente uma foi concretizada com a transferência da família para outro local.

Este novo TAC remove a previsão de construção da ciclovia obrigada anteriormente, sem qualquer justificativa plausível. A cláusula 2.6.3 do TAC original foi suprimida na alteração promovida pelo atual Prefeito, em clara violação das normas legais do Município e do interesse público, uma vez que as alterações do TAC não possuem justificativas técnicas válidas. Tanto que a justificativa cita o Plano de Mobilidade Urbana do Município, sendo que este documento se encontra pendente até o presente momento. Ou seja, foi realmente uma arbitrariedade que colide frontalmente com as previsões legais.

Não bastasse a supressão da ciclovia na Avenida John Boyd Dunlop em evidente descumprimento da Lei Complementar 35/12, o próprio viaduto construído não obedeceu a previsão contida na Lei 13.288/08, uma vez que também não reservou espaço para a passagem de ciclistas. Importante destacar que se trata de uma travessia importantíssima da avenida para quem se desloca no sentido Campo Grande e para quem acessa o Shopping. O único ponto em que a via poderia ser atravessada fica no Jardim Londres, à dois quilômetros do local, o que praticamente inviabiliza a travessia segura do ciclista que se desloca no sentido Campo Grande.

Ademais, o viaduto é alto e sua barreira de proteção lateral é pequena, o que o torna muito perigoso para os ciclistas que eventualmente disputem o espaço com os carros em uma das duas faixas estreitas e curvadas. Por este motivo, os inúmeros ciclistas que retornam para o Campo Grande ou que acessam o Shopping têm atravessado na faixa de pedestres, comprometendo a segurança destes últimos por pura incapacidade do Governo em cumprir a legislação Municipal.

Sem a reserva de espaço conforme previsto na Lei, os ciclistas apresentaram um Ofício Nº 17/30/01701 (documento anexo), requerendo informações sobre a obra e o cumprimento da Lei, bem como, se haverá passagem alternativa para os ciclistas em outro local, nestes termos:

  • A construção do viaduto na frente do Shopping Parque das Bandeiras obedeceu à legislação, especialmente a Lei 13.288/08?
  • Neste caso, queira apontar o espaço destinado para o acesso e circulação de bicicletas, conforme prevê o Art. 11 da mesma Lei.
  • Não sendo no viaduto, queira esclarecer se está previsto o compartilhamento da passagem de pedestres com as bicicletas.
  • Se positivo, como assegurar que este compartilhamento não causará prejuízos à circulação de pedestres?
  • Esclareça o que motivou a alteração do TAC, excluindo a ciclovia, anteriormente prevista na cláusula 2.6.3.
  • Se não houve exclusão, queira indicar onde será a passagem do ciclista por baixo do viaduto.
  • Havendo justificativa técnica, queira enviar cópia dos referidos documentos para o email: penaestradabikeclube@gmail.com e messias.lata@gmail.com.

Com razão, não é crível que se tenha um bicicletário no Shopping e os ciclistas do Campo Grande sejam impedidos de acessar, com segurança, por conta da incapacidade ou descaso do Governo atual que, simplesmente, optou por não cumprir a Lei…

Por fim, restou devidamente demonstrado que se tratam de graves violações aos direitos dos ciclistas e aos princípios da Administração Pública, cujas ações irresponsáveis poderão acarretar prejuízos às futuras gerações pela falta de um planejamento adequado ou causarão sérios prejuízos aos cofres públicos caso a correções dos equívocos sejam determinados pelos próximos gestores. Deste modo, clamamos pela urgente atuação desta douta Promotoria no sentido de zelar pela ordem pública, pela defesa da probidade administrativa e dos direitos coletivos violados.

 

AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO DA VIA PÚBLICA COMO PRÁTICA DE BOICOTE À CICLOMOBILIDADE

É sabido que compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios planejar, aplicar, promover e fiscalizar as ações da política de mobilidade urbana e todas as suas decorrências diretas. No que se refere à circulação de bicicleta e segurança dos ciclistas, o Código de trânsito é inequívoco:

CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – Art. 24: Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

XIV – implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;

Portanto, nos termos do Art. 24, II do Código de Trânsito Brasileiro, é uma obrigação exclusiva do Governo Municipal promover o desenvolvimento da circulação e da segurança dos ciclistas, dentre outras questões. Todavia, em toda a cidade não se vê nenhuma placa nas principais avenidas alertando e orientando os condutores sobre a presença de ciclistas na via pública, ou mesmo, advertindo da necessidade de se reduzir a velocidade e manter a distância de 1,5 metros. Os ciclistas chegaram a requerer a sinalização da Avenida John Boyd Dunlop (Ofício anexo), mas, a Emdec, injustificadamente deixou de cumprir sua obrigação.

Tal omissão decorre de uma intenção perversa de ocultar a existência de ciclistas na cidade e, indiretamente, promover uma cultura repulsiva à ciclomobilidade, pois, a cultura popular se molda pelo que é “normal” e o que não está na placa de trânsito não pode ser considerado comum, mediano, razoável. Esta é a única explicação para tamanha indiferença. Tanto que os motoristas de ônibus costumam “brigar” com os ciclistas quando se “encontram” no trânsito, usando argumentos do tipo “você não pode pedalar onde não tem ciclovia”…

Ora, se não tem ciclovia e o ciclista tem direito (e preferência) de locomoção, então seu deslocamento se dá em meio aos demais veículos. Portanto o compartilhamento da via onde não há ciclovia deveria ser sinalizado para evitar que o ciclista seja visto como um intruso no espaço em que deveria ter preferência. Ocultar esta informação, obrigação legal do Município e de sua entidade de trânsito (EMDEC), é uma forma de boicotar a ciclomobilidade, colocando em risco a vida dos ciclistas e afastando estes usuários, promovendo indiretamente a cultura do automóvel.

Há inúmeros dispositivos estabelecidos no código de trânsito que deveriam ser sinalizados na via pública que resultariam em maior proteção ao ciclista e promoção da cultura não motorizada. Como exemplo temos o Art. 38, sobre atenção aos ciclistas e pedestres; art. 201, que obriga guardar distância de 1,5 na ultrapassagem; Art. 214 sobre preferência na travessia; Art. 220 que exige redução de velocidade ao passar pelo ciclista; Art. 247, identificação do bordo de rolamento, dentre outros. Entretanto, a única placa que se tem conhecimento na cidade é uma que proíbe a circulação de ciclistas no Túnel Joá Penteado. Ou seja, placas restritivas são colocadas, mas, as que promovem e protegem são negligenciadas.

Em uma cidade que cumpre o Código de Trânsito e se preocupa com a vida das pessoas, bem maior a ser tutelado pelo Estado, estas placas seriam o mínimo de esforço a ser realizado.

 

 

 

Mas, estamos em Campinas…

Note-se que a sinalização também é importante para orientar o ciclista e evitar que este circule de modo arriscado, incorrendo em situações proibidas como contramão (Art. 58); estacionar ou circular na calçada (Art. 59), empinar a bicicleta na via pública (Art. 244). Portanto, além de ser uma o

brigação legal do Município/EMDEC, a sinalização e informação aos usuários aumenta a segurança na mobilidade e reduz acidentes e a vergonhosa taxa de mortalidade no trânsito brasileiro, da qual Campinas tem sido fiel contribuidora.

Não obstante, há uma GRAVE FALHA DE SINALIZAÇÃO, também, NAS CICLOVIAS 

construídas no Município. Estas vias exclusivas para transporte de ciclos não motorizados (cadeira de rodas, patins, skate e bicicletas) possuem pintura interrompida no cruzamento com a faixa de rolamento de automóveis, comprometendo a segurança dos usuários mais frágeis.

Em todas as ciclovias construídas pelo atual governo, a ciclovia foi preterida pelo trânsito de automóvel, invertendo a lógica de prioridade do Sistema de Trânsito. Ao apagar a faixa no cruzamento com a via, o Governo está deixando claro que sua prioridade naquela via é do automóvel, colocando em risco o ciclista que esteja pedalando na ciclovia. Sem a sinalização o motorista que cruza com a ciclovia não percebe a mesma ali no canteiro aumentando a chance de colisão, pois o ciclista imagina que a prioridade seja sua, de acordo com o código de trânsito.

O problema é tão grave que foi denunciado na construção da ciclovia da Avenida Theodureto de Almeida Camargo, em entrevista à EPTV[4]. Após a denúncia, a ciclovia foi adaptada e este problema foi corrigido, mas, as demais ciclovias da Avenida Baden Powell, Avenida Norte-Sul e Avenida Mackenzie continuam com sinalização precária nos cruzamentos. Além da falta de pintura, não há placas específicas, nem semáforos para os ciclistas, o que nos leva a questionar por que saíram tão caras…

Isto posto, a sinalização da via é um direito líquido e certo dos usuários adeptos da ciclomobilidade, além de ser um dever objetivo do Município, com claras disposições legais, cuja omissão só se justifica sob o prisma da improbidade e do boicote à ciclomobilidade. Assim, é imperativo que esta douta Promotoria tome as medidas judiciais cabíveis para obrigar o Município de Campinas a sinalizar, adequadamente, TODAS AS VIAS PÚBLICAS da cidade, onde não há ciclovia, nem ciclofaixa, advertindo os motoristas da presença de ciclistas e orientando os usuários sobre os dispositivos do Código de Trânsito.

 

AUSÊNCIA DE TREINAMENTO E QUALIFICAÇÃO DOS MOTORISTAS DO TRANSPORTE PÚBLICO

Por mais estranho que possa parecer, a maior ameaça aos ciclistas que trafegam na região periférica da cidade não são os automóveis comuns, mas sim, os ônibus do transporte público coletivo. Principalmente nos corredores como Avenida John Boyd Dunlop, Ruy Rodrigues e Amoreiras, que trafegam muitos destes ônibus e quase sempre articulados. Contraditoriamente são nestas Avenidas que o Governo Municipal resiste em construir ciclovias, demonstrando que os motivos não são nada técnicos.

Com razão, entre agosto e setembro de 2017, tomamos conhecimento de três acidentes envolvendo ciclistas e ônibus, sendo que todos foram fatais. O terceiro acidente ocorreu em plena Semana Municipal de Trânsito e teve pouquíssima repercussão na imprensa, talvez, porque envolvia ônibus do transporte público. Além disso, os dados sobre acidentes com ciclistas são subnotificados no Caderno de Acidentalidade[5] do Município, possivelmente, para não expor as mazelas do transporte público municipal. De fato, quase 25% dos atropelamentos estão indicados no campo “outros”, dificultando a percepção direta dos acidentes envolvendo ônibus e suas circunstâncias.

Os conflitos entre ciclistas e motoristas do transporte público são recorrentes e os relatos assustam quando são informados nos grupos de ciclistas e redes sociais. Com a organização dos ciclistas veio a orientação para registrar as reclamações como forma de forçar o poder público a tomar providências. Vários grupos de ciclistas já relataram situações de riscos e acidente entre ciclistas e ônibus do transporte público, a exemplo dos protocolos 1071/3/2016, 2017/4/149130, 2017/4/150605, 3435/4/2017 e 17/30/01700 (documentos anexos).

Em geral, são ônibus empurrando grupos inteiros de ciclistas para a sarjeta, entrando com o coletivo no meio do grupo ou disputando espaço na tentativa de causar dano ao ciclista. Nos casos citados, a Emdec respondeu afirmando que os condutores de veículos foram orientados e que realiza fiscalização e acompanhamento permanente no sistema, entretanto, o comportamento reincidente confirma que não há treinamento, tampouco, fiscalização dos condutores. Ao contrário, há uma lamentável repercussão da política de boicote à ciclomobilidade por parte dos operadores do Sistema de transportes, combatendo o compartilhamento da via e ameaçando a vida dos ciclistas e pedestres, especialmente na John Boyd Dunlop.

Em um destes Ofícios (documento anexo), o próprio membro do Conselho de Trânsito teve sua vida ameaçada por um motorista de ônibus do transporte público, que usou o próprio coletivo para derrubar o ciclista. Após este incidente, foi apresentado um pedido de informação, que permanece sem resposta, sendo que o ofício continha os seguintes pedidos:

  • Informe o nome completo, documento e endereço do motorista que conduzia o ônibus da linha 2.24, prefixo 2282 no dia 11/11/2017, às 17:30h, conforme fotografia anexa, para que sejam tomadas as providências legais pelo ato praticado.
  • Informe se há treinamento específico para lidar com ciclistas na via pública, durante o processo de contratação de motoristas do transporte público.
  • Seja comprovado que o motorista estava devidamente habilitado para a função e recebeu os treinamentos para prestar o serviço público, com cópia dos comprovantes de participação em eventuais cursos e treinamentos.
  • Esclareça se a Emdec orienta os operadores a ignorarem os ciclistas quando transitam em vias sem ciclovias, como a Avenida John Boyd Dunlop. Ou se as empresas concessionárias possuem este entendimento.
  • Considerando que há uma câmera de filmagem na frente do ônibus (foto anexa), solicita a cópia das imagens para comprovação do incidente citado, inclusive para orientar a investigação do fato.
  • Que a Emdec informe quantas infrações foram constatadas com base no REINPE, previsto no Decreto Nº 16.618/09, por conduta operacional envolvendo ciclistas e o transporte público de Campinas, desde 2013.
  • Também, que informe quantas, quais e o valor das penalidades foram aplicadas, discriminando as circunstâncias em que elas ocorreram, envolvendo ciclistas e o transporte público de Campinas, desde 2013.

 

Cumpre destacar que, neste caso específico, o condutor do ônibus demonstrou ter plena consciência e vontade de praticar o ato relatado no ofício, tendo inclusive questionado ao ciclista “se tinha ciclovia na avenida”. Disse, ainda, que se não tem ciclovia não pode pedalar e que o ciclista deveria ir pedalar no Taquaral. Estranhamente, a fala do condutor reproduz exatamente os comentários do Secretário de Trânsito de Campinas, quando o mesmo afirma, publicamente, que ciclista tem que andar na ciclovia e que, onde não há ciclovia, não deve ter ciclista. Esta afirmação está contida na CARTA ABERTA[6] ao Secretário e ao Prefeito, divulgada por cicloativistas e integrantes do Conselho de Trânsito, que pode ser conferida na internet. Ou seja, será que os motoristas do transporte público estão levando à risca as crenças e afirmações infundadas do Secretário de Trânsito?

Cumpre destacar, até como forma de reconhecer os avanços, que após o início das reclamações percebemos uma radical mudança por parte dos condutores dos ônibus da empresa Itajaí Transportes Coletivos, sendo que a maioria dos coletivos vem resguardando o espaço dos ciclistas que trafegam na Avenida John Boyd Dunlop, além, de reduzir a velocidade na passagem pela bicicleta. Todavia, o treinamento específico é necessário pela natural alternância destes profissionais na empresa e para que a correção da conduta atinja a totalidade dos condutores.

Desta forma, a Emdec/Município de Campinas devem ser compelidos a realizar treinamento habitual e específico para os motoristas do transporte público coletivo, com a devida comprovação ao Ministério Público, que os prepare para lidar com ciclistas e demais usuários do transporte não motorizado, devendo ter mais respeito pela vida humana, especialmente por se tratar de um serviço público.

 

CONCLUSÃO

Isto posto, considerando a caracterização de grave ilegalidade, em tese, operada pelo Município de Campinas e sua Entidade executiva do trânsito (Emdec), através do descumprimento da Lei Complementar Municipal Nº 35/12, da Lei Municipal 13.288/08, Lei Municipal Nº 8.648/95 na construção, Lei Federal 9.503/97, Lei Federal 12.587/12, prolongamento e revitalização de avenidas, na construção de pontes e viadutos, alteração irregular do TAC com o Shopping Parque das Bandeiras, além da ausência de sinalização adequada das vias públicas e ciclovias construídas, falta de treinamento aos motoristas do transporte público coletivo, temos o inegável atentado à ordem jurídica, a violação das garantias constitucionais e flagrante prejuízo aos interesses coletivos destes munícipes afetados, que exigem a atuação desta Promotoria de Justiça.

Portanto, requer seja recebida a presente Representação e que seja promovida AÇÃO CIVIL PÚBLICA, visando a correção das irregularidades apontadas e sejam promovidas as medidas necessárias para garantir a segurança dos usuários das vias públicas e adeptos do transporte não motorizado, sem prejuízo da punição dos responsáveis em competente AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Os Denunciantes continuam à disposição deste parquet para auxiliar nos esclarecimentos que se fizerem necessários, inclusive, auxiliando com novas informações ou documentos que sejam relevantes.

Campinas, 23 de janeiro de 2018.

  

[1] Matéria disponível em: http://www.campinas.sp.gov.br/noticias-integra.php?id=17279. Acesso em 22/01/18.

[2] As figuras e os dados foram extraídos do aplicativo Strava, usado por atletas para registrar a atividade.

[3] http://correio.rac.com.br/_conteudo/2015/12/campinas_e_rmc/404356-prefeito-inaugura-ponte-no-bairro-cambui.html. Acesso em 23/01/2018.

[4] http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/jornal-da-eptv/videos/t/edicoes/v/prefeitura-de-campinas-entrega-9-km-de-ciclovia-projeto-previa-111-km-ate-2016/6348840. Acesso em 23/01/2018.

[5] http://www.emdec.com.br/eficiente/sites/portalemdec/pt-br/site.php?secao=Acidentalidade. Acesso em 23/01/2018.

[6] Íntegra da Carta Aberta: http://penaestradabikeclube.wixsite.com/site/single-post/2016/02/24/Campinas-Carta-Aberta-ao-Prefeito-Jonas-Donizette-e-ao-Secretário-de-Transito

Repercussão: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2016/02/campinas_e_rmc/412858-grupos-pedem-saida-do-presidente-da-emdec.html